Pergunte pra Deus

16/02/2013

Faminto

Sem folego, com o peito ardendo, Deus estava na chuva, cem metros a frente de onde seu carro tinha quebrado. Sem saber muito bem o que fazer, resolveu voltar pro carro antes da chuva ficar mais forte, pegar o celular e ligar pra alguém vir ajudá-lo. Ser Deus lhe dava muitas vantagens em sua vida, mas estar na terra como ser humano o fazia sofrer em situações como a que se encontrava naquele momento. Havia acabado de levar uma bronca de um guarda se achando mais poderoso que o próprio Deus, estava com um carro velho quebrado e sem dinheiro. Como Deus, podia ter escolhido vir a terra como um multibilionário e nunca passar por esse tipo de perrengue  e as vezes deslumbrava como poderia ser a vida se não tivesse decidido não ser relativamente pobre. Ou como seria o mundo se todo mundo tivesse dinheiro.
De vez em quando Deus parava pra pensar e tentava se lembrar das suas motivações pra criar todas as coisas. Apesar de não existir tempo pra Deus, parecia que tudo tinha acontecido a trilhões de bilhões de anos. Os humanos tinham sido um criação da qual se arrependia quase todo dia quando acordava e via o mundo todo fodido. O dinheiro, que era um invenção humana, assim como tantas outras, era responsável por uma diferença muito grande entre aqueles poucos que tem muito e a maioria que não tem quase nada.
Sempre que tomava banho de chuva, se perguntava: Por que Homem? Por que?
Por ser Deus, ele podia ser qualquer coisa, inclusive ele mesmo, em sua grande consciência de todo, mas geralmente pra vida valer a pena, ele assumia formas e vivia como elas por um determinado período de tempo. Certa vez foi um tijolo por quase sessenta anos. Voltou a viver como humano perto da década de cinquenta, quando a casa da qual viu a segunda guerra da parede, segurando um quadro, foi destruída em teste de foguete mal sucedido.  Como humano, já havia milhares de anos que brincava como homem pela face da terra, e por diversas vezes foi frustrante como agora.
E bateu uma tristeza. Deus se sentou no chão, tomando chuva forte e começou a chorar. Vivendo como ser humano, seus poderes eram limitados ao poder de uma mente humana, que pode praticamente qualquer coisa que a mente de deus, mas em menor escala. E como a mente humana ainda limitava a si própria, com uma coisa chamada inconsciente, que não passava de uma piadinha sacana de Deus, o que podia ser também a origem de todos os problemas da humanidade. De qualquer forma, naquele momento ele podia ser Deus, mas era também humano e não podia fazer nada.
De larica, encharcado, com o carro quebrado e sem dinheiro, fora o fato de achar que um tal Sargente Moraes queria foder com a vida dele. A única coisa que podia fazer era chorar, triste por tudo de errado que já tinha feito. Inconscientemente, Deus era responsável por alguns fatos de grande relevância para todo o mundo. Por exemplo, suas alterações de humor costumavam se manifestar no clima. Raiva, frustração,  arrependimento e tristeza, costumavam gerar chuvas fortes e tempestades destruidoras, que geralmente eram direcionadas para locais no globo, onde costumavam ser mais justas as consequências  Soluçar feito uma menina de tanto chorar, causou um furacão nos EUA, com uma chuva de granizo do tamanhos de bolas de beisebol, que destruiu milhares de casas e matou dez pessoas. Deus sabia que era culpa dele, mas americano é tudo filho-da-puta mesmo.
Confuso, sem saber se era sábado de carnaval ou uma semana depois, um pequeno peidinho derrubou meteoros na Rússia que caíram de um asteroide passando perto da terra. Especialistas acreditam que deus tenha borrado a zorba para ter um efeito tao potente. Outros dizem que chorar causa peidinhos de vez em quando e o próprio Deus fala que o Big Bang foi um peido bem sucedido. Desconsolado e sem saber o que fazer e porque havia criado os homens, sentiu uma vibração na perna esquerda e ouviu tocar ''the rhythm of the night'' da Corona.
Esboçou um sorriso e tirou o smartphone do bolso. Uma imagem bizarra aparecia na tela do seu Samsung Galaxy, com zumbis usando celulares, um boneco de pão-de-ló parecido com o do Shrek, mas em uma versão demoníaca  e o robozinho do android. Atendeu o telefone, era Hitler do outro lado da linha.
- E ae Deusão - disse Hitler com o forte sotaque alemão. - Gostou da música e da imagem personalizada para o meu numero no seu celular?
- Essa bizarrice só podia ser sua mesmo - Deus respondeu seco. - De onde você tira isso?
- É uns lances neo-nazistas - respondeu furtivo. - De uns colegas meus de Ponta Grossa. Cadê você Javé? E minha loira gelada?
- Ah velho, meu carro quebrou, dae quando eu tava fumando um baseado pra relaxar - falou encabulado - um policial bateu no vidro querendo me fazer uma inspeção anal.
- Ficken von Himmels - praguejou o assassino de judeus. - Onde você tá?
- Eu saí correndo - disse O Criador envergonhado enquanto se levantava. - Mas fiquei sem folego e tava sentado na chuva sem saber o que fazer.
- E o policial? - perguntou preocupado o nazista de uma bola só. - Vai pro carro antes que estrague o telefone.
- Tô indo - falou Deus andando na chuva. - O policial foi embora, disse que vai passar em casa domingo.
- Amanhã, semana que vem? - o alemão tava preocupado. - Caralho, fodeu.
- CACETE! - gritou Deus assustado. - CACETE! TEM UM URSO DENTRO DO MEU CARRO!

Deus ouviu o barulho do celular caindo no chão do outro lado da linha, mas estava mais preocupado com o urso pardo sentado no banco do carona, mexendo no porta-luvas como se estivesse faminto ou procurando mel. O mais estranho era o fato do urso vestir uma camisa vermelha, escrito Poof de amarelo no peito. Alguém pegou o telefone no outro lado da linha, também tinha sotaque alemão, mas a voz era outra.
- Como foi? - perguntou o outro alemão no telefone/
- Fred? Fred? - perguntou Deus apressado. - Tem urso dentro do meu carro cara. Puta merda! O que eu faço?
- Prefiro que você me chame de Federico, ao invés de Fred - pontuou Nieztche. - Você usou alguma droga pesada hoje?
- Vai se foder, seu merda - retrucou Deus impaciente. - VEM ME BUSCAR AGORA.

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