Pergunte pra Deus

14/02/2013

O que fazer se


Quando você acorda na quinta-feira, sem lembrar do que aconteceu nos últimos 5 dias, geralmente bate um desespero. E foi mais ou menos isso que Deus sentia, ao ser acordado pelo vizinho, pra receber a noticia que sua marmota tinha ficado trancada dentro do carro, cagando e mijando em cima de tudo, além de comer boa parte dos bancos. A dor de cabeça que o acompanhava era tremenda e o fazia lembrar os dias que ele ensaiava com a banda dele no paraíso.
Tentou se lembrar onde havia deixado a chave e lapsos de memória lhe vieram a consciência  vagamente se lembrou que no sábado, pretendia se encontrar com suas deusas loiras e se dar bem, quando os vizinhos apareceram com uma proposta de suruba para o carnaval. Apesar de ter se sentido tentado com a proposta, saiu indignado de casa com a ideia, por ser ele um ser puro e livre do pecado. No caminho pra primeira loira que pretendia o carro quebrou e começou a chover forte. Foi a partir daí que as coisas começaram realmente a ir mal e por isso que ele não se lembrava de muita coisa. Pra aplacar a raiva que o impelia a destruir o palio velho dele, resolveu acender um cigarro do capeta, relaxou e quase esqueceu dos problemas, quando alguém bateu no vidro do carro do lado de fora.
Atemporal que só, do que ia lembrando, lembrava bem, quase que voltando no tempo, ou revivendo a experiencia, mas infelizmente, repetindo exatamente igual. Mesmo que tentasse alterar o passado, ou o futuro, geralmente falhava e quando conseguia, sempre dava merda. Sem saber muito bem o que havia acontecido, ele resolveu que aquela podia ser uma boa oportunidade pra fazer as coisas diferentes.
- Algum problema senhor? - perguntou o policial que havia batido no vidro.
- Não senhor, está tudo ótimo - disse Deus, que percebeu que ainda segurava o baseado na mão e disfarçou, fingindo que estava procurando os documentos no porta-luvas. - O senhor quer ver os documentos do carro?
- O senhor pode abrir o vidro por favor? - perguntou o guarda carrancudo.
- Só um segundo - enquanto remexia no porta-luvas, Deus esqueceu completamente o que estava fazendo e acabou com um cachimbo na mão quando abriu o vidro do carro. - Está chovendo senhor, vou me molhar.
Uma nuvem de fumaça saiu de dentro do carro e inundou o olfato do guarda careca, que soltou um risinho e olhou bravo para Deus.
- Isso é maconha! - disse o guarda inquisitivo. - O senhor está usando drogas enquanto dirige, em pleno carnaval?
- Relaxa Sgt. Moraes - disse Deus lendo o nome na farda. - É só uma ponta Sgt Moraes.
- Documento seu e do veículo agora! - disse o sargento baixinho.

Em toda a sua sabedoria divina, Deus percebeu que naquele momento ele poderia mudar o curso da história. Em suas breves recordações  ele havia tido um problema com o guarda, que achou que o seu documento era falso e acabou sendo preso. O grande problema era que o documento era falso mesmo. Por ser Deus e resolver viver como nômade na terra como um ser humano, ele não era de lugar nenhum, tinha muitas aparências e culturas diferentes, além do fato de não ter nome nenhum. Por isso, sempre que estava vivendo em algum lugar, principalmente por gostar de filmes de agente secreto, comprava ou mandava fazer muitos documentos falsos diferentes, com nomes e nacionalidades de todos os tipos, o que acabou por gerar um conflito com o guarda, que não acreditou na credibilidade do nome José Maria Barbuda. Dessa vez ele escolheu outro documento, que não deixava margem pra erros.

- Muito bem Senhor Deus da Silva - disse o guarda com sarcasmo. - Seu carro tá com o IPVA atrasado, o licenciamento é do ano passado e tem duas multas vencidas. Saia do carro imediatamente.
- Tudo isso por causa de uma ponta Sargento? - perguntou Deus inocentemente enquanto descia do carro. -  Tá muito estrassado.
- O senhor está dirigindo sobre o efeito de drogas - disse o baixinho, careca e invocado. - E desrespeitando um policial.
- Peraí, como assim? - Deus estava confuso.
- Eu vou revistar o carro procurando drogas - disse o guarda enquanto revistava Deus, que estava com as mãos no capo do carro - e se eu não achar nada, vou ter que fazer uma inspeção anal no senhor.
- Opa, aí não - Deus já estava se arrependendo amargamente por tentar mudar o passado. - Você vai pro inferno se chegar perto do cu de Deus.
- HAHAHAHA - o sargento riu como se fosse o próprio Diabo. - Enquanto o senhor estiver fora da lei e eu for um policial, EU SOU DEUS. HAHAHAHA. É o senhor que vai pro inferno.

Um raio forte caiu, um estrondo assustador se ouviu e num piscar de olhos Deus sumiu da vista do policial, que o avistou correndo desesperadamente um pouco pra frente. E Deus correu. Correu como nunca havia feito em toda sua existência. Sentia no peito as gotas geladas de chuva molhando sua camisa roxa aberta pela metade. As havaianas brancas no pé diminuam a velocidade do pique e quase o faziam tropeçar, mas ele não conseguia pensar em outra coisa além de correr. Barbudo como só ele, por um breve periodo se sentiu como Forrest Gump cruzando o país a pé. Em sua cabeça ouvia todos os anjos gritando juntos em uníssono ''RUN GOD, RUN'' ou ''SAVE YOUR ASS''. Mas essa visão durou pouco tempo, já que além de gordo, era fumante de cachimbo e charuto desde o final do séc. XIX, quando foi amigo de Freud, e acabou ficando sem folego depois de correr pouco mais de uma quadra. Enquanto sentia os pulmoes arder e se arrastava pela estrada sem olhar pra trás, o sargento passou com a viatura do seu lado:
- Vou dar uma batida na sua casa amanhã Deus - falou ameaçador.- Se cuida.

Deus ainda não se lembrava do que havia acontecido daí pra frente, mas como ele havia alterado o curso da história, estava desesperado pra saber o que ele podia ter feito de pior naquele carnaval.

Nenhum comentário:

Postar um comentário