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A Caçada Noturna
Raul estava apreensivo. A primeira noite de tocaia em busca do animal que vinha atacando a região não dera resultado algum. Ele também estava muito perturbado pelo que sua mãe lhe revelara na noite em que conversaram. Sua mãe era uma mulher bonita e personalidade muito forte. Engravidou de Raul na adolescência e antes do menino atingir três anos de idade o pai os deixou.
O garoto nunca entendeu o motivo do desaparecimento dos pais e raramente ele fazia perguntas. Mas como todo adolescente rebelde e curioso, chegou o momento em que ele quis saber mais sobre que tinha acontecido, mas sua mãe era sempre evasiva e o deixava mais confuso. Durante muito tempo sentia uma raiva sem tamanho de seu pai, até que resolveu deixar isso tudo de lado. Sua mãe nunca se casou com outro homem, mas mesmo assim, de tempos em tempos ela acabava se envolvendo com alguém. Os relacionamentos nunca vingavam e Raul costumava ter influência nisso.
Nunca aceitou muito bem os relacionamentos da mãe, mesmo quando ele era bem pequeno, encontrava uma maneira de atrapalhar, até mesmo a distância, enquanto morava fora. Seu tio João o matinha informado e ele sempre dava um jeito de surpreender a mãe com o novo namorado. Eventualmente eles percebiam que não havia lugar para mais um naquela casa.
Dessa vez, todavia, era diferente. Sua mãe não lhe falara sobre nenhum namorado ou relacionamento, mas o chamou para conversar na noite em que ele chegou na fazenda.
- Não pode ser amanhã, mãe? - falou o rapaz para sua mãe - Estou cansado e quero sair pra procurar o lobo de madrugada.
- É algo importante, filho - retrucou sua mãe em tom solene - também não concordo com essa ideia de você sair de madrugada, sozinho, pra procurar um animal que está atacando toda a região.
- Eu não tenho medo - o garoto falou estufando o peito.
- Pois devia ter - disse a mãe com preocupação. - Ninguém sabe se é mesmo um lobo, pode ser algo pior.
- O que? Um demônio? Um fantasma? - disse Raul com escárnio. - Eu também não tenho medo dessas lendas do interior.
- Nem tudo é lenda meu filho - respondeu sua mãe, olhando profundamente em seus olhos e segurando em suas mãos. - Há coisas que parecem inexplicáveis e que alguns dizem que é mito, mas na verdade são coisas que estão além da nossa compreensão.
- Papo de gente supersticiosa - ele respondeu puxando suas mãos e enrijecendo a postura. - Era isso que você queria me falar?
- Não...
Regina era morena com os cabelos encaracolados e volumosos. Apesar de ter apenas trinta e cinco anos, seu semblante era sempre sério e endurecido, o que lhe dava muita autoridade. Porém, dessa vez, ela estava com um olhar entristecido e muito mais cansado do que o normal. Raul desconfiava que ela fosse lhe falar de algum novo namorado ou algo do tipo, porque seu tio lhe dissera que tinha recebido visita, mas não soube dizer de quem.
- ...eu estou grávida.
Essa notícia causou enorme impacto no garoto, que discutiu com sua mãe, tentando obter mais informações. Ela permaneceu em silêncio por um longo tempo, depois começou a chorar e disse que não tinha mais o que dizer. O garoto demorou a dormir nesse dia, atrasou-se para sua caçada e não conseguiu se concentrar. Passou o outro dia inteiro tentando descobrir mais a respeito e tudo que conseguiu, foi descobrir que o pai da criança era um vendedor de produtos, que era inclusive fornecedor na venda do seu tio, que passava na cidade deles uma vez por mês. Foi dormir cedo e dessa vez acordou no horário para se enfiar no meio do mato.
No meio da madrugada, foi até o limite de sua propriedade ao leste, por onde passava um rio e montou acampamento, esperando que algum animal sedento o indicasse uma direção. Armado com uma faca e uma espingarda, estava mais determinado que nunca a acabar com a vida do animal que havia atacado seu tio e alguns vizinhos de sua mãe. O silêncio e a escuridão eram tamanhas, que pareciam adentrar os ossos e o fazendo tremer.
Depois de algumas horas escondido numa mata fechada próxima ao rio, acabou adormecendo. Sonhou com sua mãe e com seu tio, sendo atacados por uma fera gigantesca que os trucidava enquanto ele estava paralisado. Acordou de sobressalto e enxergou algo na beira do rio, com a vista turvada. Era um animal de pelos claros, que não conseguiu identificar a priori. Esfregou os olhos e o bicho sumiu.
Sentiu um arrepio na espinha, pois de onde ele estava, tinha um bom campo de visão e a fera teria que se mover muito rápido para desaparecer daquela maneira, a não ser que ele estivesse imaginando coisas. Olhou atentamente para os lados e ouviu um rugido forte vindo do outro lado do rio, onde tinha enxergado o animal. Armou a espingarda e apressou-se na direção do rio.
Era bem tarde da noite, mas a lua estava quase cheia e iluminava bem o leito do rio, que era raso e cheio de pedras. A água cristalina do rio refletia os raios lunares que batiam nas pedras, o deixando com uma aparência mágica e tremulante. Ao chegar no lado oposto de onde o animal estivera bebendo água, o garoto tirou seu binóculo da mochila e observou a mata a sua frente.
Ao longe, seguindo na direção do rio, viu um vulto branco se mover em meio a mata e de imediato ele soube do que se tratava. Encolheu-se e permaneceu em silêncio. instintivamente sentiu medo, pois aquela era a fera que estava atacando as casas da região, e que, um minuto atrás, estava praticamente no mesmo lugar que ele. O animal com certeza era rápido, muito rápido, pois já estava a muitos metros de distância. Ouviu um novo rugido e o som do que parecia ser uma fera abatendo sua vítima. Pouco depois conseguiu ver o animal arrastando algo morto até perto do rio. O coração do garoto quase parou quando teve a certeza do que era aquele animal.
Era um lobo feroz e enorme, que estava devorando um outro animal com tanta velocidade que o garoto ficou assustado. Podia ver o sangue da presa escorrendo até o rio e descendo com a água como um rastro de violência. O lobo estava longe, mas ele pode ver claramente que seus pelos eram mesmo brancos, como muitos haviam afirmado. Da distância e posição que ele estava, mesmo sendo um excelente atirador, seria difícil atingir a fera, mas mesmo assim preparou a espingarda.
Percebendo que o animal estava ocupado com seu alimento, moveu-se lentamente rio abaixo, se afastando do leito e se escondendo na mata, procurando uma posição melhor para tentar o tiro. Deitado no chão, com o cano da arma apoiado na raiz de uma arvore, preparou-se para apertar o gatilho. Respirou calmamente travou a mira quando foi atirar, ouviu um uivo vindo de trás, parecendo muito próximo.
Com pressa olhou para trás e viu outro lobo, em morro de terra rio acima uivando em direção a lua. Um calafrio percorreu sua espinha e foi então que ele percebeu que a ameaça era muito maior do que ele imaginava, pois além da besta branca, ele havia avistado agora também uma fera negra. Sem saber o que fazer, olhou novamente para o outro lobo e percebeu que ele havia desaparecido, deixando para trás o animal morto aos pedaços.
E então, com o coração acelerado, apontou a arma para outro lado, quando viu outros cinco lobos se aproximando do rio e começarem a beber água.
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